A doida do "eu te amo''
A discrição era
tamanha que até a professora de inglês sabia da minha paixão por ele.
Aliás, a escola inteira, inclusive ele : "Spider-Man". Era assim que secretamente
o chamávamos - eu e minha melhor amiga- . Não lembro a utilidade do apelido ( era tipo um código), se todo
mundo dava um sorrisinho sacana pra mim quando ele estava por perto.Ou seja, até quem
não me conhecia poderia prever que a pauta das minhas conversas adolescentes
era o menino da bicicletinha. Totalmente ingênua nossa tentativa de manter em secreto o que era do conhecimento de todos.
Novato no colégio e com
estilo que incluía um pouco de radicalismo e um cavalheirismo incomum, não
demorou muito para me conquistar, mesmo sem querer. Lembro bem das correntes
penduradas no bolso da calça, do tênis rainha preto desgastado, dos súbitos
movimentos em cima dos banquinhos com a bike. Não sei se as meninas piravam,
mas eu ficava encantada. Sonhadora, com
um único beijo na bagagem e um coração ingênuo nem sabia ao certo se queria
namorar ele. Na verdade, acho que nem sabia o que era namorar. Ter 15 anos, ser certinha e nerd tem dessas coisas. Bom , eu acho que era nerd, já que sentava na
frente , só tirava 9 e 10, adorava matemática e outras coisas que ninguém mais
gostava. Aliás, na década de 90 pessoas que se encaixavam nessa discrição eram chaamdas de CDF.
Um dia fomos
apresentados por um amigo em comum. E o
que foi aquele beijinho carinhoso em minha mão?
Não bastava ser o spider man, tinha que ser adorável também ? Surpreendeu-me porque não imaginava que
meninos que curtiam acrobacias tivessem
um lado gentleman. Ele era perfeito. Se sua essência artística era despercebida
por alguns, era muito evidente para mim. Sempre envolvido nos eventos culturais da
escola, dava pra sacar que era diferente. Ele só tinha um pequeno defeito: não ser
interessado por mim.
Eis que certa tarde, sabe-se
lá porque, decidi radicalizar. Logo eu que me trancava no banheiro cada vez que
os colegas ameaçavam chamar spiderman na sala. Nem sei porque a gente ainda
considera esses sacaninhas juvenis como amigos. Sério, eles te fazem passar
vexame, principalmente se souber que você está perdidamente apaixonada pelo o
cara mais estiloso da escola. Mas aquele dia não. Eu estava cansada de correr,
de me esconder, de tentar negar, de ser uma conhecida apenas. Comprei passagem direta
para Micolândia, mas não me arrependi. Gostei tanto que até hoje não achei a
saída desse lugar.
De repente estava
apenas eu, ele e uma sala vazia. Sentei na mesinha, respirei fundo, olhei em
seus olhos e só voltei a respirar uns 5
minutos depois.Porque a essa altura já estava provavelmente trancada no
banheiro. Um lugar nada agradável para quem necessita de ar puro. Nem preciso dizer que não deixei ele
falar, que o metralhei com palavras cuidadosamente ensaiadas na noite anterior.
Não preciso dizer que antes da “corrida
de São Silvestre” tudo o que eu estava sentindo e que ele e a escola inteira já
sabia foi escancarado. Não era uma novidade, mas foi dito dessa vez por mim, a
única pessoa com propriedade e direito
para falar aquilo para ele.
Não me recordo bem tudo
que disse, mas jamais esqueci a parte que realmente importava e que não
precisou ser decorada. Não sei o que spider man sentiu naquele instante e se pensou nisso depois. Não sei se ele
gostaria de ter dito algo, ou se acabei fazendo um favor a ele por fugir. Mas
eu daria tudo pra saber o que ele, o menino das manobras radicais, sentiu no
exato momento que finalizei o discurso com “eu amo você”. Tudo bem, não era a Beyonce que
estava ali na frente dele, mas a garota que sentava na primeira carteira, que
não matava aula, que fazia poemas e que se trancava no banheiro para fugir das próprias
emoções.
Eu poderia não ter a
cara da Megan Fox e habilidade nenhuma
pra flertar, o que não mudou com o tempo, mas eu amava genuinamente o carinha
da sala ao lado. Rompi as barreiras da covardia, conquistei um mico, mas entrei
para a história do colégio e da vida dele. Porque querendo ele ou não, ao
traçar a sua linha do tempo, lá no ano de 1999, vai ter registrado o episódio
da doida do “eu te amo.” Hoje essa história me rende boas risadas e lembranças
de como o colégio é um lugar especial, onde vamos viver grandes emoções.
Agora eu entendo, professora Cleomare o
chamava de Spider Man, porque além dele ser o homem aranha da escola, ela queria que eu fosse mais
discreta ao falar da minha paixão. Afinal, todo mundo sabia quem era o Rafael
da oitava série. Sabe os sacaninhas dos meus amigos? Eles não queriam apenas me
fazer passar vexame na frente do garoto que gostava, mas queriam me dar a
chance de arriscar, de me declarar e não ficar somente imaginando o que poderia
acontecer. É por isso que a época do
colégio faz tanta falta.
Quatorze anos depois eu
encontro Spider Man advinha fazendo o que ? Ahan, com sua bick, subindo nos banquinhos
da orla da cidade numa noite de sábado. Agora
um doce para o palpite certo sobre minha reação. Se você pensou “ aposto que
ela foi lá e falou com ele” , posso até te dar o doce, mas lamento você
errou. Agora, se você imaginou que eu quis sair correndo
naquele momento , parabéns você sacou que a gente vai para a faculdade, mas o
colégio permanece em nós. Não sei se o verei novamente porque ele mora em outro
lugar onde tem crescido muito com esse
lance de bicicletinha (bmx). Além de ser homem aranha é também dançarino e tem
unido bem o útil com o agradável. Que maravilha né.
Sabe o que é mais
incrível ? É que na noite anterior a que o vi , tinha achado meu diário antigo
e lido o episódio da doida do eu te amo com uma amiga que dormiu na minha casa.
E no dia seguinte, quando a gente já tinha desistido de fazer o vídeo arte para
a faculdade por motivos de “crise criativa e de percepção poética de uma
situação qualquer na rua” eis que surge spiderman subindo nos bancos ao nosso redor como fazia na escola. O
vídeo arte não foi sobre aquele momento, mas teria sido perfeito se fosse capaz
de capitar a poesia que acontecia naquele instante.
A primeira declaração de amor (única do
gênero) . Cheiro de saudade. Amigos sacanas. Professora conselheira. Diário
antigo. Fugas emotivas. Bilhetinhos secretos. Amor juvenil. Quanta lembrança
boa cabe em uma única cena. E eu ali apenas contemplando spider man e seu talento , pedindo aos deuses
que me tornasse invisível naquele momento, porque com certeza tava na cara que eu estava procurando um buraco para me esconder . Algumas coisas nunca mudam. Alguém
especial será sempre especial ainda que o sentimento se transforme e quem
costuma fugir das próprias emoções vai desejar ter sempre um banheiro por
perto, caso precise se refugiar e recuperar o fôlego.