quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013


Os eleitos 




Não sei como funciona essa mágica que faz as vidas se encontrarem, mas quem está no comando certamente manda muito bem e deve ser tipo um Dumbledore. Incrível como fica sempre impregnado em nós o perfume de quem passou, como um indício, um vestígio de que somos a soma dos corações que tivemos o privilégio de saber que existem, de saber que tipo  de música produzem ao baterem.
Essas marcas invisíveis que cada alma deixa uma na outra é tão sutilmente tatuada que muitos nem percebem o quanto são constituídos  dos inúmeros toques trocados ao longo da vida com seus semelhantes.


O que os místicos costumam chamar de destino e os céticos definem como acaso, eu prefiro pensar que é poesia. Há tanta gente no mundo e tantas possibilidades de encontro, mas por alguma razão especial que foge a compreensão, a vida nos apresenta os eleitos, (que pode ser tanto o vizinho como alguém que mora no outro lado do mundo. )


E parece que cada encontro é uma rima. É fantástico, como uma colcha de retalhos bordada por olhares, gestos e palavras. Todos deixam perfume, mas alguns são versos tão belos! Conseguem ser sensíveis, encantadores, gentis, inteligentes e ainda possuidores de um sorriso lindo. E como é lindo saber que há pessoas assim - estando ou não ao alcance do nosso abraço.


Esses nos alcançam sem esforço físico porque vão direto na nossa alma. Esses nos despertam esperança na humanidade, porque mantém o amor pela família, a consideração pelos amigos e o respeito pelas diferenças em dia.  Pode ser que nem sequer suspeitem do quanto admiramos o jeito que conduzem suas vidas. Pessoas assim são aquelas que além de sorrir lindamente adoram  roubar sorrisos também.


Talvez eu seja apenas uma poetisa insana, que vê brilho em tudo. Mas que mal há em sentir que toda vida é preciosa e que admirá-las ainda que distante é uma dádiva? Que mal há em colecionar pulsar de corações? Que mal há em querer ver a aura de quem o grande mago-  responsável pela poesia da vida - nos apresentou?


Penso que  viver é isso: é desenhar, pintar, colorir a alma dos que vão passando pelo caminho. É também deixar-se pintar. É deixar-se tocar. Eu admiro quem doa sorrisos e não pede nada em troca. E admiro mais ainda quem dedica seu tempo para fazer os outros sorrirem  pelo simples prazer de saber que está colorindo a vida de alguém, ainda que seja de um estranho. 



quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A doida do "eu te amo''



A discrição era tamanha que até a professora de inglês sabia da minha paixão por ele. Aliás, a escola inteira, inclusive ele : "Spider-Man".  Era assim que secretamente o chamávamos - eu e minha melhor amiga- . Não lembro a utilidade do apelido ( era tipo um código), se todo mundo dava um sorrisinho sacana pra mim quando ele estava por perto.Ou seja, até quem não me conhecia poderia prever que a pauta das minhas conversas adolescentes era o menino da bicicletinha.  Totalmente ingênua  nossa tentativa de manter em secreto o que era do conhecimento de todos.

Novato no colégio e com estilo que incluía um pouco de radicalismo e um cavalheirismo incomum, não demorou muito para me conquistar, mesmo sem querer. Lembro bem das correntes penduradas no bolso da calça, do tênis rainha preto desgastado, dos súbitos movimentos em cima dos banquinhos com a bike. Não sei se as meninas piravam, mas eu ficava encantada.  Sonhadora, com um único beijo na bagagem e um coração ingênuo nem sabia ao certo se queria namorar ele. Na verdade, acho que nem sabia o que era namorar. Ter 15 anos,  ser certinha e nerd tem dessas coisas.  Bom , eu acho que era nerd, já que sentava na frente , só tirava 9 e 10, adorava matemática e outras coisas que ninguém mais gostava. Aliás, na década de 90 pessoas  que se encaixavam nessa discrição eram chaamdas de CDF.

Um dia fomos apresentados por um amigo em comum.  E o que foi aquele beijinho carinhoso em minha mão?  Não bastava ser o  spider man, tinha que ser adorável também ?  Surpreendeu-me porque não imaginava que meninos que curtiam acrobacias  tivessem um lado gentleman. Ele era perfeito. Se sua essência artística era despercebida por alguns, era muito evidente para mim.  Sempre envolvido nos eventos culturais da escola, dava pra sacar que era diferente.  Ele só tinha um pequeno defeito: não ser interessado por mim.

Eis que certa tarde, sabe-se lá porque, decidi radicalizar. Logo eu que me trancava no banheiro cada vez que os colegas ameaçavam chamar spiderman na sala. Nem sei porque a gente ainda considera esses sacaninhas juvenis como amigos. Sério, eles te fazem passar vexame, principalmente se souber que você está perdidamente apaixonada pelo o cara mais estiloso da escola. Mas aquele dia não. Eu estava cansada de correr, de me esconder, de tentar negar, de ser uma conhecida apenas. Comprei passagem direta para Micolândia, mas não me arrependi. Gostei tanto que até hoje não achei a saída desse lugar.

De repente estava apenas eu, ele e uma sala vazia. Sentei na mesinha, respirei fundo, olhei em seus olhos e  só voltei a respirar uns 5 minutos depois.Porque a essa altura já estava provavelmente trancada no banheiro. Um lugar nada agradável para quem necessita de ar  puro. Nem preciso dizer que não deixei ele falar, que o metralhei com palavras cuidadosamente ensaiadas na noite anterior. Não preciso dizer  que antes da “corrida de São Silvestre” tudo o que eu estava sentindo e que ele e a escola inteira já sabia foi escancarado. Não era uma novidade, mas foi dito dessa vez por mim, a única  pessoa com propriedade e direito para falar aquilo para ele.

Não me recordo bem tudo que disse, mas jamais esqueci a parte que realmente importava e que não precisou ser decorada. Não sei o que spider man sentiu naquele instante e  se pensou nisso depois. Não sei se ele gostaria de ter dito algo, ou se acabei fazendo um favor a ele por fugir. Mas eu daria tudo pra saber o que ele, o menino das manobras radicais, sentiu no exato momento que finalizei o discurso com  “eu amo você”. Tudo bem, não era a Beyonce que estava ali na frente dele, mas a garota que sentava na primeira carteira, que não matava aula, que fazia poemas e que se trancava no banheiro para fugir das próprias emoções.

Eu poderia não ter a cara da Megan Fox e  habilidade nenhuma pra flertar, o que não mudou com o tempo, mas eu amava genuinamente o carinha da sala ao lado. Rompi as barreiras da covardia, conquistei um mico, mas entrei para a história do colégio e da vida dele. Porque querendo ele ou não, ao traçar a sua linha do tempo, lá no ano de 1999, vai ter registrado o episódio da doida do “eu te amo.” Hoje essa história me rende boas risadas e lembranças de como o colégio é um lugar especial, onde vamos viver grandes emoções.

 Agora eu entendo, professora Cleomare o chamava de Spider Man, porque além dele ser o homem aranha  da escola, ela queria que eu fosse mais discreta ao falar da minha paixão. Afinal, todo mundo sabia quem era o Rafael da oitava série. Sabe os sacaninhas dos meus amigos? Eles não queriam apenas me fazer passar vexame na frente do garoto que gostava, mas queriam me dar a chance de arriscar, de me declarar e não ficar somente imaginando o que poderia acontecer. É por isso que  a época do colégio faz tanta falta.


Quatorze  anos depois eu encontro Spider Man advinha fazendo o que ? Ahan, com sua bick, subindo nos banquinhos da orla da cidade  numa noite de sábado. Agora um doce para o palpite certo sobre minha reação. Se você pensou “ aposto que ela foi lá e falou com ele” , posso até te dar o doce, mas lamento você errou.  Agora,  se você imaginou que eu quis sair correndo naquele momento , parabéns você sacou que a gente vai para a faculdade, mas o colégio permanece em nós. Não sei se o verei novamente porque ele mora em outro lugar onde  tem crescido muito com esse lance de bicicletinha (bmx). Além de ser homem aranha é também dançarino e tem unido bem o útil com o agradável. Que maravilha né.

Sabe o que é mais incrível ? É que na noite anterior a que o vi , tinha achado meu diário antigo e lido o episódio da doida do eu te amo com uma amiga que dormiu na minha casa. E no dia seguinte, quando a gente já tinha desistido de fazer o vídeo arte para a faculdade por motivos de “crise criativa e de percepção poética de uma situação qualquer na rua” eis que surge spiderman  subindo nos  bancos ao nosso redor como fazia na escola. O vídeo arte não foi sobre aquele momento, mas teria sido perfeito se fosse capaz de capitar a poesia que acontecia naquele instante.


A primeira declaração de amor (única do gênero) . Cheiro de saudade. Amigos sacanas. Professora conselheira. Diário antigo. Fugas emotivas. Bilhetinhos secretos. Amor juvenil. Quanta lembrança boa cabe em uma única cena. E eu ali apenas contemplando spider man e seu talento , pedindo aos deuses que me tornasse invisível naquele momento, porque com certeza tava na cara que eu estava procurando um buraco para me esconder . Algumas coisas nunca mudam. Alguém especial será sempre especial ainda que o sentimento se transforme e quem costuma fugir das próprias emoções vai desejar ter sempre um banheiro por perto, caso precise se refugiar e recuperar o fôlego.















sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013


Falar o que não se sente e fazer o outro acreditar que é verdade deveria ser considerado uma agressão e não apenas mentira.  Mais que isso, poderia ser encarado como uma violência. Todos temem o perigo das ruas, mas ninguém se protege das ameaças negligenciadas que destroem almas. O mundo está cheio de predadores. Aquele tipo de pessoa que pode até não ser capaz de levantar a mão para ferir fisicamente, mas que é frio o suficiente para deixar marcas profundas na vida emocional de alguém.

Se é patológico ou não, é um caso para psicologia investigar, mas que é real, ah isso é.   Ninguém ensina a defesa contra a arte da perversidade  praticada por essas criaturas que se julgam tão humanas. Envolver  pessoas em uma esfera falsa de sentimentos  de maneira a manipular suas ações  não só é repugnante como doentio.  Não é divertido simular emoções quando se entende que há um coração cheio de expectativa em jogo.

Há motivos para orgulhar-se da soberania humana se os homens são tão hostis com seus semelhantes? Faz sentindo conquistar um sorriso para que posteriormente seja substituído por lágrimas? Tamanha sagacidade para atrair parece não ser a mesma quando tais indivíduos são desmascarados. São tão pouco inteligentes em  defesa de si mesmos que nem imaginam o quanto estão sendo patéticos. Gente assim se julga tão esperta que não se dá conta do quão ridícula é.

No fundo, essas pessoas nem são  tão espertas, fingem, mentem e enganam porque são incapazes de convencer com a verdade , porque na verdade são uma grande mentira. Vivem para destruir sonhos porque não conseguem sequer sonhar. Gente assim nem deveria ser considerado gente, mas uma espécie a parte.
E desses abusos emocionais quem nos protege? Quem nos ensina a reconhecer, a identificar na multidão o perigo eminente ? Dos falsos sorrisos, das falsas promessas, dos amor enganoso, das mentiras ensaiadas, quem irá nos defender ? Não, creio que  não haja medidas preventivas para isso, até porque acabaríamos paranóicos , suspeitando de todo os bons e genuínos gestos de alguns. .  

Só espero que por causa dessas pessoas, um dia, não atinjamos um nível de desconfiança que nos torne frios a ponto de não acreditar mais no poder dos valores imperecíveis como respeito, consideração, amizade e acima de tudo amor, amor ao semelhante e a si mesmo.