sábado, 25 de maio de 2013



                                                                       Delírio


Por entre  a  persiana, o sol invadiu o quarto e alcançou o rosto bonito do moço que dormia. Fez uma careta engraçada de quem teve um sonho interrompido. De fato não queria acordar. Que estranho! Teve a impressão de que ouvira passos leves e rápidos se distanciando. 


Bocejou lentamente como se não tivesse pretensões de sair do abraço macio daquele edredom. Virou para o outro lado e apertou o travesseiro com uma preguiça que chegou a ser charmosa.

Passou a mão nos cabelos bagunçados enquanto tentava decifrar o objeto que estava no criado mudo. Um pequeno  livro de capa grossa com  aspecto envelhecido. Parecia na verdade, uma antiguidade. Sorriu e imaginou que ainda estivesse sonhando.


A figura que seus lábios formaram com aquele sorriso silencioso era simplesmente convidativa. Os lábios tão bem delineados, num tom rosa perfeito, estavam mais corados do que de costume.

Percebeu depois de alguns minutos com os olhos fechados, um aroma diferente nos lençóis. Não era muito bom em distinguir fragrâncias, mas tinha certeza que era cheiro de lavanda. Mas como podia ser? Não era esse seu perfume!


Virou-se imediatamente para o lado oposto e viu uma taça de vinho no outro criado mudo,  entre o despertador e a luminária. Tudo estava muito confuso, porque  ele não tomava esse tipo de bebida e nem tinha recebido visitas na noite anterior.

Passou a mão no rosto tentando arrancar da memória algum sinal do que aquilo significava. Sentou por instantes na cama de onde viu um vestido vermelho no chão próximo ao banheiro. Então levantou de súbito  em direção aquela veste. Ao tocar o tecido, sentiu a sua maciez e irresistivelmente levou ao rosto. O mesmo cheiro de lavanda invadira suas narinas. 


E como encanto fora tomado por lembranças. De repente as paredes fizeram-se pinturas como se estivesse em uma galeria de arte. Cada parte daquele lugar assemelhava-se a Caravaggios.

No jogo de luz e sombras a figura de uma mulher se destacava e eu corpo despido tocado por outro protagonizava uma cena inebriante de entrega absoluta. Ao observar isto, quase pode sentir as unhas daquela dama cravadas na sua nuca. Na boca a saliva transformara-se em vinho. 


Os olhos continuaram  a percorrer as imagens seguintes fazendo toda a pele ficar ouriçada. Os lábios carmesim da misteriosa mulher, lhe provocavam sede. Queria arrancá-la daquela tela e desafiar o seu lhar provocador num duelo.

Desejou sair do cenário barroco para transitar no surrealismo. Pensou em fogo. Ficou em brasa. Ardeu em chamas. Virou o rosto, mas não conseguia temer o tremor de suas carnes. Se não fosse sonho, certamente era loucura, pensara.


Mas os vestígios ali presentes lhe contradiziam. Dirigiu-se ao banheiro, lavou o rosto e tentou evocar inutilmente os indícios de que aquilo era definitivamente sonho. No espelho pode ver desenhada na alva pele de seu peito o percurso lúdico de unhas. Marcas de dentes ornamentavam seu pescoço de cima a baixo.

E um misto de sensações lhe possuiu. O diálogo entre os sentidos, a dança de lavanda com as imagens, o sabor do vinho e o calor de seu corpo embriagavam-no.


Voltou para a cama com todas aquelas cenas a sua volta. Atordoado, atormentado, possuído. Ela estava ali. Sim ! A porta estava entreaberta. Lembrou-se de ter ouvido passos ao acordar. Procurou-a. Precisava tocá-la. Senti-la, tê-la.Alcançou a taça de vinho e avistou a marca de batom ,  um  vestígio de quem ali esteve. Resolveu abrir o pequeno livro ao Aldo da cama.  Na verdade, parecia mais um diário antigo. Nas folhas amareladas, com uma caligrafia escrita  á pena, versos insanos instigantes e convidativos. Cada poema lido fazia-o perder um pouco o fôlego. 


Ofegante e extasiado, quase sucumbiu a loucura. Leu nas últimas linhas daquelas folhas envelhecidas a assinatura : Desejo !
















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